klimt

A pílula

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Sabemos dourá-la. Mínima
em seu domínio a área de vida
vai minguando. Ária de vida
em boca surda semente sem mistério
vai o não-ser multiplicando.

Estrogênio.
Estrôncio.
Estéril.

Esteres da morte a pílula
torna mais simples os anjos.

– H. Dobal


sereias

Quero te dar um vestido com um desenho que ainda não sei como será
Penso frutas, dragões, sereias
Fantasias que nem ainda sei bordar
Mas quero te dar um vestido, quem sabe de areia
Quem sabe de uma linha não se saiba coser
Penso te dar um vestido bordado de ambos os lados do querer
Nem quero te vestir
Nem quero que o vejas nem que o queiras talvez
Quero te dar um vestido que a minha alma deseja

– José Carlos Capinan


O jardim de Klimt

Há um lugar para cada um nesse mundo.

Os girassóis imponentes não estão preocupados em competir com as outras flores, terrenas.

Do canto direito saltam narcisos? lírios? Forçando para aparecer no cantinho da moldura, eles também são respeitáveis. São flores que nascem dum delírio.

Os dentes-de-leão amarelinhos estão presentes, onipresentes.

Há uma concorrência entre os tons vermelhos que se resolve num belo violeta, cor de hematoma.

Os buquêzinhos de flores brancas insistem na simplicidade de se saber flor sem cor.

Há no jardim um desejo de miscigenação, uma consciência de que a sua beleza depende tanto dos nobres girassóis quando das micro-florzinhas branco-azuladas, meia-dúzia delas, que parecem tão indispensáveis ao conjunto..

Mesmo num jardim assim tão assimétrico, plantado pelo vento e pelo tempo, pela natureza em sua lenta violência..

A cor predominante é mesmo o verde.


As furiosas serpentes da solidão

Narciso

Enquanto nos atormentam as furiosas serpentes da solidão
Eu sei de ti, como nenhum menino sabe de si mesmo
E te salvo da sombra de todos os teus espelhos
De onde emergem intactas as imagens claras da compaixão
E cai no fundo das águas o céu do verão
Frutas vermelhas amadurecem o peco desejo
Há um cardume de ânsias mergulhadas no peito
Estás com o ar transfigurado, a insone paixão
Nunca abandona o insondável aquário
E disfarças como ontem o inevitável beijo
Anunciando a Narciso seu adiado naufrágio

– José Carlos Capinan